Autorize-se!


O filólogo inglês Jonh Locke, conhecido como o pai do liberalismo, disse que o homem nasce como uma folha em branco. Jacques Lacan, psicanalista francês,  aponta que a formação do Eu é construída a partir da imagem do Outro (pessoa, cultura, instituições). Comungo das duas ideias. Nascemos em branco. As experiências e os discursos tomados de seus significantes dão base ao nosso existir, apontam, portanto quem seremos e o modo que agiremos no mundo.
 Eu, assim como você que está lendo esse texto, me deparei desde o meu nascimento com diversos investimentos sobre mim, marcados no meu corpo, sobre a formação do meu ser. Antes de nascermos já somos nomeados, já somos investidos pelo desejo e pelas diversas expectativas do Outro (pai e mãe, por exemplo), esses investimentos vêm também acompanhados pelas diversas cobranças. Cobranças e expectativas que o Outro nos convoca a responder o tempo todo. As marcas desses encontros vão fazendo listas, marcas na folha em branco. E esse movimento é altamente saudável e fundamental para a formação da subjetividade humana. Contudo, se faz necessário também à construção de saídas do campo do desejo do Outro para a formação do desejo próprio, dando assim lugar à formação do sujeito (singularidade). 
Dito isto, digo que os encontros com os discursos do Outro que eu encontrei até o dia de hoje formaram a pessoa que sou hoje. O que me foi ofertado durante a minha vida são tesouros para mim, inclusive os padrões com que me deparei e os NÃOS recebidos, foram processos basilares, mas se faz necessário a construção de um discurso singular, a folha em branco, já não está mais em branco, há marcas do Outro nela, mas é hora de tomar os pincéis e colorir, marcar com as cores que eu escolher. Ato cheio de desejo e que trago como sugestão para você caro leitor que ainda não se permitiu a buscar tal percurso. 
Na construção da minha história encontrei com saberes diversos, mas também com preconceitos, estereótipos de mim e do Outro. E de maneira a responder as expectativas do Outro sobre mim, utilizei-me inclusive dos preconceitos alheios. Passei anos de minha vida aprisionada, marcada para responder o Outro e isso me feriu profundamente. Pois, como já mencionei em outros textos, responder as expectativas alheias é utopia, um verdadeiro saco sem fundo. Na ânsia de ser aceita, busquei padrões, me esforcei para responder a tudo e a todos e por um bom tempo não sabia quem eu era, tinha Outros de mais em mim. Era tantas marcas do Outro sobre mim que submergia as minhas simples tentativas de me inscrever. 
Muitos discursos dentro das famílias, das igrejas, das escolas, na sociedade impõe sobre o sujeito modelos, padrões. Fugindo da possibilidade de exclusão, tantas vezes nos permitimos a responder esses tais padrões. E isso eu fiz durante anos. Até que meus 30 anos chegaram, e algo novo me surgiu, algo inclusive avassalador, que me GRITA todos os dias: seja você mulher! E esse ser eu mesma, me convoca a inclusive lutar contra tais padrões e contra tantos preconceitos. Por isso, minha indignação contra toda forma de preconceito, por isso o meu desejo gigantesco de dar asas e oportunidades que cada sujeito possa SER QUEM DE FATO É! 
E esse modo de pensar surgiu também muito devido a PSICOLOGIA, mas não só o curso em si, mas pela possibilidade rica e singular de me deparar todos os dias com tantos discursos. A partir dos discursos dos meus pacientes, percebo também a crueldade do mundo e do que eu não quero para mim. Faço aqui também uma crítica a alguns discursos religiosos, discursos que fogem da possibilidade de libertação e que aprisiona, que crucifica os que fogem dos padrões estabelecidos por homens e não por Deus. Somos aceitos, quando partilhamos das regras, quando fugimos disso somos excluídos. Lá não se pode questionar. Não se pode interrogar. Não se pode ser diferente.
Foi a partir das minhas experiências e das possibilidades de invenções subjetivas que recebi dos meus pais, que consigo hoje, aos meus 30 anos, dizer Não a um movimento que me limitava, que me marcava no discurso do Outro, contudo outras tantas pessoas não possuem essa mesma possibilidade e declinam. 
Estamos vivendo o mês de Conscientização da Depressão e prevenção ao Suicídio, nós psicólogos, lidamos diretamente com o que é sofrimento e tantos desses sofrimentos surgem pelo desejo do sujeito de se enquadrar, se enquadrar nas expectativas alheias, nos discursos religiosos e isso é devastador para tantas pessoas. Então, talvez os discursos tomados por preconceitos espalhados por aí podem sim ser os responsáveis por tanto dor e sofrimento, esses discursos causam mortes tantas vezes. Tenho visto muitos discursos tomados por ideologias que exigem do sujeito a padronização dos afetos, contudo isso é impossível e pode ser letal, como tantos outros venenos. Vejo crianças e adolescentes desesperadas afim de responder a um ideal de uma outra pessoa, e quando isso não é possível, quando a criança ou o adolescente não responde a isso, há duas alternativas: eles se modulam a partir do outro e se depara com a angustia de não pode ser quem de fato é ou fogem dos moldes e é excluído, segregado. Duas formas monstruosas de massacre da subjetividade, e às vezes também do próprio indivíduo.
Estou escrevendo tudo isso com um DESEJO imenso que você meu amigo, amiga, parente ou qualquer outra pessoa possa ler e considerar a possibilidade de enxergar o Outro (seu filho, cônjuge, pai, amigos) como realmente são e não como você deseja ou entende que é a forma correta de ser. Escrevo também para de alguma forma explicar meu posicionamento político e minha ideologia de vida: TUDO QUE APRESENTA CONCEITOS LIMITANTES, FECHADOS, ONDE O SUJEITO NECESSITA SEGUIR UM TAL PADRÃO PARA SER ACEITO, EU FUJO DISSO. Escrevo também para que vocês entendam de uma vez por TODAS que eu NÃO vou mais compactuar com os seus preconceitos e todas as possibilidades que eu tiver de barrar isso, eu farei. 
Um dia me fizeram crer que os preconceitos alheios eram meus, e eu embarquei nessa por longos anos, sofri com isso e tenho certeza que causei muito sofrimento também. Sinceramente, eu respeito os seus preconceitos e ideologias, sei que também preciso analisar alguns que me restam, contudo meu desejo seria que você se libertasse dos seus.
Eu não posso, não tenho o direito de te julgar pelos seus preconceitos, mas posso dizer que não compactuo com eles. Também não posso te julgar, te condenar por sua opção sexual, por sua cor de pele, pelo aborto que você cometeu, por suas cresças ou a falta delas, eu não posso, isso não me cabe, e eu tenho os meus pecados, assim como todo ser vivente. Eu não posso me considerar melhor do que você, até porque eu não sou. 
Hoje escrevo tudo isso na tentativa de me apresentar para todos vocês. Sei de meus vacilos, mas sei também do que não quero mais ser. Por isso, caro amigo, querida amiga, peço-lhes que não me peçam para compactuar com suas mesquinharias, com seus preconceitos, mesmos aqueles bem velados, que você só solta depois de algumas doses de bebida, em momentos de fúrias ou discretamente em conversas cheias de sussurros. E me deixem dizer que eu não apoio político, padre, pastor, ateu, filósofo, cientista ou seja lá o que for que tragam discursos marcados por preconceitos e numa perspectiva de padronizar a subjetividade. 
Além da Psicologia, eu aprendi tudo isso no meu processo de análise, com meus pais, dois simples brasileiros, cristãos livres, sem religião pronta, abertos ao respeito e ao diálogo. Eles marcaram-me, deixaram suas produções na minha folha em branco e me permitiram colorir também. E claro, aprendi também na minha relação com Jesus Cristo, Ele me disse que conhecendo a Verdade eu seria livre, inclusive dos meus preconceitos. Vou ficando por aqui no sonho que pelo menos um de vocês tenha tirando um pouco do seu valioso tempo para ler e pensar juntos comigo. Viva a possibilidade real de SER QUEM DE FATO É!

Dedico esse texto a você que necessitar se livrar dos padrões, das marcas do Outro que te aprisionam. Seja livre, saia do casulo, autorize-se! VOE!

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